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Ao completar 92 anos de idade, ele escreve uma coluna semanal em jornal, faz compras em supermercado, está publicando novos livros e passa os dias em seu escritório-biblioteca recebendo quem lhe procura. É uma rotina de mais de 70 anos desse paulista que virou goiano da cepa desde o início da construção de Goiânia.
Waldomiro Bariani Ortêncio é conhecido pela sua produção intelectual, onde revela a verve afiada de pesquisador e escritor ou a sensibilidade de autor musical, dependendo do ambiente. Entre seus mais de 40 livros publicados estão preciosidades indispensáveis a qualquer biblioteca ou universidade que pretenda debater e difundir conhecimentos sobre o Brasil Central.
Sua trajetória de vida é, ela própria, repleta de belas histórias. Sua família tinha madeireira em Igarapava, cidade paulista colada em Minas Gerais, e vinha se debatendo com a escassez de madeira pra serrar naquela região. Era preciso mudar, mas pra onde ninguém sabia direito. Pesquisas em cidades do Sul e Sudeste prometiam, mas tudo apontava ao Centro-Oeste, onde Goiás construía uma nova capital. Eram muitas as vantagens a empreendedores.
Corria o ano de 1938 quando a família chegou ao canteiro de obras, uma aventura e tanto, como muitos amigos previam. Deixava a tesoura de alfaiate que usava numa das iniciações profissionais que tivera em sua terra, sem lamentações. Mas, uma perda por ele lamentada era a dos jogos de futebol, como ele lembra:
-- Eu tinha só 15 anos, mas jogava com os adultos lá na minha cidade, por causa do corpo avantajado.
Mas a tristeza pela falta dos amigos da bola durou pouco. Dias depois de ter chegado, Bariani ouviu gritos e barulhos típicos do futebol e foi ver o que era. Por sorte, era o treino do Atlético Goianiense, time que nasceu com a cidade, e por mais sorte ainda ele ouviu o técnico reclamar que o goleiro havia faltado ao treino. De pronto, ele gritou:
-- Eu sou goleiro!
O técnico mirou o candidato de cima abaixo, aparentou ter sentido firmeza e perguntou de onde ele era. Diante da resposta de que tinha acabado de chegar de São Paulo, o treinador ordenou ao auxiliar:
-- Coloca esse paulistinha aí, no gol.
Pronto, ganhou uma vaga, e um apelido também. E assim o goleiro Paulistinha jogou por dez anos no time, com rápida passagem pela Portuguesa, de São Paulo. O apelido agradou locutores de rádio e a torcida, tornando-se um símbolo do futebol goiano.
Todavia, ele não vivia do futebol. Cursou o segundo grau no Liceu de Goiás, colégio referência no Estado, mas nunca concluiu nenhum curso superior, por considerar que suas outras atividades dispensavam esse esforço. Lecionou Matemática e outras disciplinas em várias escolas dos aglomerados humanos que se formavam.
Virou, em verdade, uma espécie de universidade ambulante, sempre disposto a difundir as informações que chegam às mãos, muitas buscadas com dificuldade, dedicação e denodo. Um grande número de escolas, bibliotecas e logradouros públicos hoje levam seu nome, apesar de sua aversão a homenagens desse tipo a pessoas ainda vivas. E são incontáveis as comendas, títulos e medalhas com que já foi agraciado.
Impossível, também, é citar alguém que tenha se dedicado às artes -- literatura e música em especial -- em terras goianas, nas últimas sete décadas, que não tenha cruzado com Bariani em algum momento, quase sempre pra lhe pedir algo. E ninguém sai de mãos abanando, seja qual for sua orientação política ou ideológica. “Meu negócio é somar, nunca dividir”, justifica seu desprendimento.
Muitos escritores e músicos famosos Brasil afora já desfrutaram de sua amizade e de sua sempre generosa ajuda. Bernardo Élis, por exemplo, tinha seu primeiro livro, “Ermos e Gerais”, manuscrito e todo emaranhado em anotações e rabiscos. Com paciência, Bariani sentou-se diante de uma máquina de escrever e datilografou a obra, que foi entregue à editora e publicada, recebendo elogios de Monteiro Lobato, Guimarães Rosa e outros.
Ele lembra, aliás, que outro livro de Élis, o mais famoso, foi escrito em forma de romance, com o título “São Miguel e Almas”. Houve enorme rebuliço entre membros da família de Bernardo, que o acusavam de contar histórias privadas, de modo que ele sustou a obra. Mas, de novo, a paciência de Bariani ajudou o autor a refundir o texto, que virou vários contos e recebeu o nome de um deles, “Veranico de Janeiro”.
Ainda bem jovem, em 1945, Goiânia já estava consolidada e clamava por ideias criativas que movimentassem a economia e ocupassem as pessoas. Bariani conta que avaliou suas vontades, aptidões e as possibilidades de algum negócio rentável. Assim, emprestou o nome de seu alter ego desportista e fundou o Bazar Paulistinha, uma loja de instrumentos musicais, discos, livros e tantas coisa mais, que virou uma poderosa rede comercial em Goiás e Minas Gerais.
A loja principal, porém, no centro da capital goiana, passou a ser um importante ponto cultural, lugar de encontro de artistas e produtores locais e do Brasil inteiro. É citada em músicas de grande sucesso nacional, como “Saudade de Minha Terras”, de Goiá e Belmonte, e “Pagode em Brasília”, de Teddy Vieira e Lourival dos Santos, em que é tratada como “bazar do Waldomiro”, pra não ser considerada peça publicitária.
Por falar nisso, no dia de inauguração da nova capital federal, em 1960, a música “Brasília, 21 de Abril” virou hino da cidade, cantada por todos. Seu autor: Bariani Ortêncio. Mas ele não dá tanto valor a esse fato, talvez porque seja apenas mais uma dentre as setenta e tantas músicas de sua autoria gravadas por diversos artistas famosos.
Também é dessa época a espaçosa casa em que ele ainda hoje mora, na Praça Cívica, o coração de Goiânia, dividindo território com as sedes dos governos estadual e municipal. A parte posterior da habitação é um verdadeiro centro cultural, com biblioteca, exposição de fotos históricas e amplo espaço pra eventos.
Entretanto, a presença maior do ex-Paulistinha no cenário cultural brasileiro talvez esteja em suas obras de pesquisa, todas volumosas, que revelam grande fôlego ao dissecar a vida humana nessa região do país. “Cozinha Goiana”, lançado em 1967, com reedições sucessivas desde então, é muito mais que um livro de receitas. É um verdadeiro tratado antropológico que revela um povo através da sua variada comida.
No mesmo rumo, ele editou pela primeira vez em 1994 o “Medicina Popular do Centro-Oeste”, que navega pela crendice e pela sabedoria que vêm do indígena nativo, do caboclo, do escravo e de outros imigrantes. Ou o premiado “Cartilha do Folclore Brasileiro”, de 1997. E coroa tudo como uma edição nova, reformatada, do clássico “Dicionário do Brasil Central”, editado pela primeira vez em 1984.
Ao chegar a uma idade mais avançada, Bariani segue lépido e fagueiro, produzindo novos trabalhos e propondo outros. Ele acaba de lançar, por exemplo, um pequeno livro em que resume as principais polêmicas que travou, na mídia, em sua trajetória e que vai dar o que falar. E ri do que ganha escrevendo na imprensa hoje em dia.
Ele se orgulha de nunca ter dependido de dinheiro público, pois sempre foi bem-sucedido nos negócios, que incluem fazenda de lavouras e bois e empresa mineradora. Além, é claro, do Bazar Paulistinha, que ainda hoje marca presença na Avenida Anhanguera, próximo ao Teatro Goiânia, sob os cuidados dos três filhos homens – teve também três filhas e uma batelada de netos e bisnetos.
Por: Jaime Sautchuk
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